Tuesday, April 26, 2011

A sul

Percorri o bairro, cercado do que imagino como representação da «toute Lisbonne»; é a minha costela Crumb. Não vi, não reconheci, escritores entre a audiência; julgo ter compreendido por que Gonçalo teve de os inventar; vi sobrinhas, tias e finalistas estucadas com botox, possíveis locatárias dos condomínios donde serão despejados o senhor Valéry, o senhor Henri, o senhor Juarroz, o senhor Brecht, o senhor Kraus, o senhor Calvino, o senhor Walser, sem o senhor Swendenborg ter tido tempo para se entregar às «investigações geométricas». Quando bebia absinto, em Coimbra, não me lembro se alguma vez tive o cuidado de «nunca misturar o absinto com a realidade para não piorar a qualidade do absinto»; sinto muito, senhor Henri.





Jorge Fallorca

Thursday, April 14, 2011

a sul

(da divisão dos despojos)


o que não foi destruído ficou em silêncio
sobre a mesa mas reparem: só o que perece
não dói. a dificuldade é incinerar o que fica
o passado é pouco combustível mas os dedos
como os nós também se cortam. mas como
dividir o saque que é inteiro onde rasgar
em que linha imaginária se ainda hoje
todos os decretos foram decretados nulos.

- Pedro Jordão -

Tuesday, April 12, 2011

a sul

(...)
Sim, por muitos e bons anos
Até que a incerteza separe
A cal da parede,
Até que comecem a arder,
Por excesso de exposição,
Os móveis que o sol visita pela janela.


A madeira é duma fragilidade
Metódica e paciente.
São de madeira os punhos
Elevados perante as seduções.




- Rui Almeida -

Friday, April 8, 2011

a sul

25 Megapixels


Já verifiquei as sombras mais de muitas vezes - a luz está esquiva dentro das nuvens e digo baixinho para a máquina fotográfica encostada à minha barriga: “Sabes, acho que hoje ninguém subirá a encosta até aqui”. Ali ao lado, o Júlio apressa-se a alinhar as fichas vermelhas dentro da caixa enferrujada e espreita a estrada pelo canto do olho. Não quer que os seus homens se apercebam que está preocupado com as nuvens e inventa tarefas para os ocupar: um que abra o motor e verifique o óleo, o outro que percorra as tábuas gastas de madeira à procura de algum prego solto, vamos, vamos. E finge-se atento a esses movimentos, enquanto se encosta à cabeça amarelo-muito-gasto do cavalo de boca aberta.
(...)


- Ângela M. -

1 de cada sul por dia.

Tatiana Pequeno nasceu no Rio de Janeiro, Brasil, em 1979. Publicou, em 2010, seu primeiro livro de poemas, réplica das urtigas. É professora de literaturas brasileira e portuguesa, tendo defendido recentemente tese de doutoramento sobre Maria Gabriela Llansol. Ouve desde sempre muitas canções e muitas reverberações do mundo, por isso costuma comover-se até hoje com a longa introdução de Cortez the killer do Neil Young e as aparentes dissonâncias de toda uma geração que sabia do que o Loveless, do My Bloody Valentine, tratava.

Tiago Gomes nasceu em Lisboa em 1971. É poeta e, em edição de autor, editou dois livros: Caixa Negra de Avião Desviado por Ataque Terrorista e Homem Vago em Cinzento (1995). Seguiram-se Brincadeiras com Cianeto (Edições Mortas, 1998), Viola-me Eléctrica (Fenda, 1998) e Antologia Auto-Ajuda (Ed. Mariposa Azual). Foi radialista na Voxx, comentador no programa de televisão Prazer dos Diabos. É vocalista dos Campos Blue Moves, Inspectores, Agência de Viagens e On The Road. Foi fundador da galeria ZDB. É director, produtor e editor da revista de arte Bíblia, que dirige há 14 anos. Produz os projectos musicais Furacão Sereno, On The Road e Inspectores.

Pedro Santo Tirso, tem 33 anos, idade de Cristo, é lisboeta, gosta do seu nome, que sempre considerou uma boa combinação de sagrado e profano. Talvez por isso tenha dado em professor. Tem mulher e filho que ama. Gosta de beber vinho e de ler.

Wednesday, April 6, 2011

a sul

Photobucket

Pumping Station 1.1, João Rios

Tuesday, April 5, 2011

réplica das esquinas


é melhor assim é
pousar o vento não vibrar
mais um acordo sem
medula outro ponto voraz é
melhor
assim as gavetas se prendem
impedem a coluna das formigas
na glicose
um rastro de formas evoca o teu pouso
sem acordo
é melhor assim
uma saída resistente na luz dos
hipermercados, amando a ossatura
dos jovens sobre moléstia nova
pelas mãos de ervas a
terra trabalhada saúda seu
mutismo
a oceania assim
os pingos do amor em fim
melhor melhor recolher e pousar
os panos de limpeza em acordo
(rápido, a mim ilumina) as
formigas sabem se é melhor sem
gotas, enfim
o que vaza
podia, mas não é o cheiro das ervas
acontece um anel de palavras sem
paz o mar
é melhor assim ver o corpo não é juízo
é várzea sobre charco, morses e holocausto
líquido assente platéia
seria falso não adormecer assim
a miragem das lógicas sem
rastro, formas
mentira, nunca houve suspeita
sobre a terra
é sangue
de ternura
nos pingos para a fábula das urtigas
acordo entre os guindastes fortes
trégua de saída que sobe nove andares
cansa
análise de safena
desmorona os ossos, venta poeira
pousam as mágoas das gavetas
aceno enorme sobre a costura da cama
vaza vaza
estanca
aprende agora
ela é possível somente inteira


- Tatiana Pequeno -

1 de cada sul por dia.

Pedro Outono Estudou Filosofia e Jornalismo na Universidade de Coimbra. Para além de docente, exerce também a actividade de guia-intérprete de turismo. Tem publicados quatro livros, dois de poesia e dois de contos. Mantém um blogue de temática exclusivamente literária, O Blog do Tlönista, onde são revelados alguns dos seus textos.


Rui Almeida nasceu em Lisboa, em 1972. Mantém, desde 2003, o blogue Poesia distribuída na rua. Publicou em 2009 o livro de poemas Lábio Cortado (Editora Livrododia). Tem textos seus em várias revistas e antologias.


Sonata Paliulytė é poeta, tradutora e actriz. O seu primeiro livro Ps foi editado em 2005: recebeu vários prémios literários entre eles o prémio Young Jotvingis para o melhor primeiro livro de poesia. em 2009 publicou uma antologia bilingue (Inglês/Lituano) de Emily Dickinson. Está prevista a publicação do seu segundo livro de poemas para 2011, e Still Life, Selected Poems vai ser publicado em Inglês na Escócia. O seu trabalho está publicado nas principais revistas literárias tanto na Lituânia como no estrangeiro. Vive em Vilnius.

Saturday, April 2, 2011

a sul

(...)
Estes tons negros são o mistério, as raízes que se cravam no limo que todos conhecemos, que todos ignoramos, mas de onde nos chega o que é substancial na arte. Sons negros, diz o homem popular de Portugal e concorda com Goethe, que encontra a definição do fado ao falar de Paganini, dizendo ‘Poder misterioso que todos sentem e nenhum filósofo explica’.
(...)


- Pedro Santo Tirso -

Friday, April 1, 2011

1 de cada sul por dia.

Maria Sousa é uma lebre que é uma Alice e gosta de passar a tardes no café Santa Cruz a ler e a escrever. Gosta de revistas e já participou em algumas (Criatura, Sítio, Umbigo, Saudade). Escreveu Exercícios para endurecimento de lágrimas (Língua Morta, 2010) mas ainda chora quando ouve a Lhasa e o Tom Waits. Não gosta de dar aulas e quando for grande quer ser livreira.

Pedro Jordão escreve por acidente. Não acredita em notas biográficas, não gosta de lavar a louça, mas é bom tipo. Também é arquitecto e programador cultural. Tem trinta e três anos, vive em Lisboa e sabe que nunca vai ser grande.

Kenneth Traynor é escritor que faz fotografia analógica e vive em São Francisco. É o editor da Cold Green Tea Press (www.coldgreenteapress.blogspot.com), uma editora “faça-você-mesmo” que publica plaquetes de escrita inovadora, tradução e artes visuais.
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A Sul de Nenhum Norte by Nuno Abrantes & Maria Sousa is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Proibição de realização de Obras Derivadas 3.0 Unported License